Gisela João

Gisela João

29 JUNHO

Gisela João, pode dizer-se no ano em que a sua carreira cumpre uma dúzia de danças em torno do sol, nunca seguiu tendências e nunca respeitou outras regras que não fossem aquelas sugeridas pela sua própria intuição. E isso faz com que chegue ao final deste primeiro quartel do século XXI como uma artista completa, distinta e reconhecida pelo público e pela crítica. Gisela só é comparável a ela mesma.

Em 2025, a artista revela a sua inquietude num álbum em que homenageia aqueles que, há meio século e mais, souberam cantar a liberdade sem rodeios, ajudando a transformar o país que Gisela agora carrega na sua voz. A sua abordagem a este cancioneiro tão celebrado, no entanto, reveste-se de originais arranjos, mostrando-a, uma vez mais, a criar arte de forma distinta e alheia a modas ou vagas de fundo. Sempre foi assim.

Das casas de fados de Barcelos ao Porto, e daí até Lisboa e aos vários prémios que justamente a agraciaram – do Prémio revelação Amália ao Globo de Ouro – foi para Gisela um passo de gigante, um percurso atribulado, mas decidido de quem acreditava ter algo para cantar e que nunca pediu licença para verter o que lhe ia na alma. Lançou, sempre com idêntica postura de rigor artístico, vários registos, de Gisela João, de 2013, a Nua, de 2016, e AuRora, o seu trabalho anterior, de 2021. E porque entende o estúdio e o palco como duas diferentes, mas complementares,
dimensões para a criação artística, Gisela também lançou registos ao vivo, como Sem Filtro e Ao
Vivo, dois documentos de 2015 que a mostravam, sem rede ou truques, sem filtros, em estado de
pura entrega.

Por outro lado, essa profunda originalidade de que Gisela João nunca abdicou tornou-a presença natural em projectos alheios e por isso ao longo dos anos foi sendo possível escutá-la em trabalhos de gente tão diferente quanto Fernando Alvim, Paulo de Carvalho, Capicua, Stereosssauro, Xinobi, David Bruno ou Calexico. Sinais claros da amplitude do seu registo, uma qualidade que lhe permite encontrar encaixe em diferentes géneros, sem que nunca abdique da
sua essência. A sua voz é, já muitos o disseram, um verdadeiro tesouro destes tempos. Miguel
Esteves Cardoso sabe-o bem: “Amália Rodrigues foi a grande fadista do século XX. (…) Sei e sinto,
com a mesma força, que Gisela João é a grande fadista do século XXI.”

Agora, depois de ter trabalhado com Michael League, multi-instrumentista, compositor e produtor que se notabilizou como baixista e frontman dos Snarky Puppy, Gisela João experimenta alterar uma vez mais a moldura que envolve a sua voz no novo “Inquieta”, álbum que co-produziu com Luís “Twins” Pereira nos Twinville Studios, em Carcavelos, e que conta com arranjos a que o guitarrista Carlos Rodenas Martinez também deu o seu particular e especial toque. Neste trabalho de 2025, Gisela canta José Afonso, Sérgio Godinho por via de Capicua, José Mário Branco e Lopes
Graça, traduzindo para este presente necessitado de liberdade os sonhos e anseios de uma geração que teve que lutar para que aqui chegássemos. Mas, sobretudo, mostra-nos a sua voz como talvez nunca a tenhamos escutado antes, como um instrumento de riqueza imensa e singular, capaz de traduzir sonhos e sentimentos, emoções e desejos de uma forma tão directa e transparente que arrebata qualquer pessoa. Uma qualidade que lhe tem permitido brilhar em
palcos nacionais e internacionais com idêntica intensidade. Uma história com uma dúzia de anos que continua a desenrolar-se.

Gisela João, Inquieta, nos Jardins do Marquês – Oeiras Valley, dia 29 de junho.